Este post é uma transcrição do famoso ensaio On the proof and Progress in Mathematics (Sobre prova e progresso em matemática) de William P. Thurston que a Revista Matemática Universitária número 17 de dezembro de 1994 traduziu e publicou e cujas ideias servem muito bem na atualidade. Vejamos então o que realizam os matemáticos.
Há muitos aspectos implícitos nesta pergunta, que tentei formular de modo a não pressupor a natureza da resposta. Não seria bom, por exemplo, começar com a pergunta
Como os matemáticos demonstram teoremas?
Esta pergunta introduz um assunto interessante, mas começar com ela seria assumir implicitamente:
(1) que existem uma teoria e uma prática uniforme, objetiva e bem estabelecida de demonstração em matemática, e
(2) que o progresso feito pelos matemáticos consiste em provar teoremas.
É importante examinar essas hipóteses, em lugar de aceitá-las como óbvias e prosseguir. A pergunta nem mesmo é
Como os matemáticos fazem o progresso em matemática?
Em vez disso, como uma forma mais explícita (e dirigida) da pergunta, eu prefiro
Como os matemáticos aumentam o entendimento humano da matemática?
Esta pergunta traz à tona algo que é fundamental e universal: o que fazemos é encontrar maneiras pelas quais as pessoas possam entender e pensar sobre matemática.
O rápido avanço dos computadores ajudou a enfatizar esse ponto, porque computadores e pessoas são muito diferentes. Por exemplo, quando Appel e Haken completaram a prova do Teorema do Mapa de Quatro Cores usando grande quantidade de cálculos difíceis executados por computador, levantou-se muita controvérsia. Interpreto esta como tendo muito pouco a ver com as dúvidas quanto à veracidade do teorema e à correção da prova. Em vez disso, ela refletiu o desejo contínuo da compreensão humana da prova, além do simples conhecimento de que o teorema é verdadeiro.
Num nível mais usual, é comum principiantes em computação fazerem longos cálculos que poderiam ser feitos à mão numa escala menor. Pode-se produzir uma lista com os primeiros números primos apenas para verificar, posteriormente, que não era exatamente isso que se queria. Descobre-se com esta experiência que o que realmente se pretende não é um conjunto de "respostas" - mas sim compreensão.
Pode parecer quase circular dizer que o que os matemáticos realizam é o avanço da compreensão humana da matemática. Não tentarei resolver isso discutindo o que é a matemática, pois isso nos levaria longe demais. Os matemáticos geralmente sentem que sabem o que é a matemática, mas têm dificuldade em apresentar uma boa definição direta. É interessante tentar. Para mim, "a teoria dos modelos formais" é a que mais se aproxima, mas sua discussão nos levaria a um novo ensaio.
Poderia a dificuldade de se dar uma definição direta de matemática ser algo intrínseco, indicando que a matemática possui uma qualidade recursiva que lhe é essencial? Nessa direção poderíamos dizer que a matemática é a menor área de conhecimento que satisfaz às seguintes condições:
A matemática é o que inclui os números naturais e as geometrias plana e espacial.
A matemática é o que os matemáticos estudam.
Matemáticos são pessoas que aumentam a compreensão humana da matemática.
Em outras palavras, à medida que a matemática avança, nós a incorporamos ao nosso pensamento. À medida que este se torna mais sofisticado, geramos novos conceitos e estruturas matemáticas: os assuntos da matemática mudam para refletir a maneira como pensamos.
Se o que estamos fazendo é construir melhores maneiras de pensar, então os aspectos psicológicos e social são essenciais para um bom modelo do progresso da matemática. Estas dimensões estão ausentes da visão popular. A visão popular assegura, caricatamente, que
D. Os matemáticos partem de umas poucas estruturas matemáticas e de um conjunto de axiomas "dados" sobre estas estruturas, que
T. existem várias questões importantes a serem resolvidas sobre estas estruturas que podem ser enunciadas como proposições matemáticas formais, e
P.o objetivo do matemático é encontrar a partir dos axiomas um caminho dedutivo para as proposições ou para a negação delas.
Podemos chamar isso de modelo Definição - Teorema - Prova (DTP) da matemática.
Uma dificuldade óbvia do modelo DTP é que ele não esclarece a origem das questões. Jaffe e Quinn discutem a especulação (que rotulam inadequadamente de "matemática teórica" como um ingrediente adicional importante. Especulação consiste em fazer conjecturas, propor problemas e dar palpites inteligentes e argumentos heurísticos sobre o que provavelmente é verdadeiro.
O modelo Dept de Jaffe e Quinn também deixa de lado algumas questões básicas. Não estamos tentando satisfazer alguma cota abstrata de produção de definições, teoremas e provas. A medida do nosso sucesso é se o que fazemos possibilita as pessoas compreender mais clara e efetivamente sobre matemática.