Edwin A. Abbot, inglês, escreveu em um livro, cuja ação desenvolve-se num país "plano" (Flatland). O personagem principal é um Quadrado, bom matemático, que conta uma história de dimensões. Antes de dar a palavra ao Quadrado, seja-nos permitido explicar que, da mesma forma como nós percebemos três dimensões, todos os habitantes do País Plano só podem perceber duas. O fato desse país estar mergulhado numa tênue nuvem, só permite aos seus habitantes apreciar distâncias: quanto mais próxima está uma figura, ou mais exterior de uma figura, como diria Euclides, tanto mais fácil e claramente se a pode reconhecer. As figuras mais longínquas, ou suas partes, aparecem, ao contrário, obscuras e desvanecidas. Deste modo podem diferenciar-se linhas curvas, retas, ângulos e arestas. Além disso, existe nesse país um provérbio que diz "melhor bem tocado que mal visto". Os seres bidimensionais do país plano são das mais diversas configurações. O narrador, como já dissemos tem a forma de um quadrado. Sua mulher, como, aliás, todas as mulheres do País Plano, têm a forma de uma linha reta. Trabalhadores e soldados são triângulos equiláteros. Os funcionários e o governador são polígonos regulares e o sacerdote tem a forma de um círculo que tem a propriedade de crescer e contrair-se. O Quadrado conta, para seus conterrâneos, seu diálogo com a a Esfera:
Devido ao tamanho deste diálogo, dividi em duas partes para os leitores para aguçar a curiosidade dos leitores.
-Posso tocá-lo? - perguntei. Não possuía um ângulo sequer. Estava rígido, era um círculo perfeito, sobre isso eu não tinha a menor dúvida. Tivemos, então, o seguinte diálogo, que vou esforçar-me para transcrever aqui com a maior clareza possível".
Visitante - Já me observou bastante?
Eu - Respeitável senhor; perdoa-me as indiscrições, que têm sua razão não num desconhecimento das regras de boa educação e cortesia, mas sim no estado de surpresa e nervosismo pela sua inesperada visita. Porém, antes que V. Sa. entre na conversação, poderá designar-se satisfazer à ânsia de um cidadão que deseja saber de onde vem seu visitante?
Visitante - Do espaço, naturalmente. De onde mais poderia ser?
Eu - Perdoa-me, senhor. Porém, não estamos nós aqui igualmente no espaço, V. Sa. e eu, vosso humilde servidor?
Visitante - Ora pois! Que entende você por espaço? Explique-me!
Eu - O espaço, Excelência, é infinitamente extenso em comprimento e largura.
Visitante - Mas como?! Você não sabe o que é espaço! Imagina-o apenas com duas dimensões: comprimento e largura. Porém, cheguei aqui para mostrar-lhe uma terceira: a altura.
Eu - V. Sa. está brincando! Nós também falamos de comprimento e largura, de longitude e amplitude e designamos, assim, duas dimensões com quatro nomes.Visitante - Ora pois! Que entende você por espaço? Explique-me!
Eu - O espaço, Excelência, é infinitamente extenso em comprimento e largura.
Visitante - Mas como?! Você não sabe o que é espaço! Imagina-o apenas com duas dimensões: comprimento e largura. Porém, cheguei aqui para mostrar-lhe uma terceira: a altura.
Visitante - Mas eu estou falando de três nomes, ou seja, de três dimensões: comprimento, largura e altura.
Eu - Quer V. Sa. mostrar-me ou explicar-me em que direção se encontra a terceira para mim desconhecida?
Visitante - Eu venho dela. É acima e abaixo. Sobre nós e abaixo de nós.
Eu - Vossa Excelência refere-se, evidentemente, ao Norte e ao Sul?
Visitante - Não! Não! Eu não disse isto. Eu me refiro à uma direção para a qual você não pode olhar, porque não tem olho algum desse lado.
Eu - Perdoa-me, senhor, mas um rápido exame o convencerá de que tenho um olho em cada vértice. E são ótimos!
Visitante - Sim. Mas para poder ver no espaço você deveria ter um olho não em seu perímetro, mas no rosto, quer dizer, no que chamará, talvez, seu interior. Nós, do País Espacial, o chamamos seu rosto.
Eu - Um olho no meu interior!? No meu estômago!? O senhor está brincando.
Visitante - Não. Não estou brincando. Eu digo a você que venho do espaço, ou, se não entende o que é espaço, do país das três dimensões, donde posso ver seu plano, o que chama de espaço. Desde daquele ponto de vista, eu consigo ver o quee você chama de corpo, suas casas, suas igrejas, seus estômagos. Tudo se encontra aberto e exposto a minha vista.
Eu - Tais afirmações são um tanto precipitadas, meu senhor!
Visitante - Não são facilmente demonstráveis, quer você dizer. Quando desci até aqui, vi seus quatro filhos, os pentágonos, cada um em sua casa, e mais seus netos, os hexágonos. Vi a seu mais jovem hexágono permanecer um momento com você e, então, voltar para casa dele e sua senhora deixá-lo ir sozinho. Então, como pensa você que cheguei aqui?
Eu - Presumivelmente através do telhado.
Visitante - Não foi assim. Como você sabe, seu telhado foi consertado faz pouco tempo e não tem furo. Eu volto a dizer, venho do espaço. Não conseguir convencê-lo pelo que contei de sua família?
Eu - Vossa Excelência me trata como se fosse um ignorante, que nada entendesse de matemática e aceitasse que uma linha reta tem só uma dimensão. Não meu senhor, nós os quadrados, temos uma resposta melhor: uma mulher ainda que chamada linha reta, é, em realidade e cientificamente, um paralelogramo muito estreito mas que, como nós, também tem duas dimensões: comprimento e largura.
Visitante - Entretanto, o simples fato de que uma reta seja "visível" pressupõe a existência de outra dimensão.
Visitante - Você não está entendendo. Se uma linha reta fosse um mero comprimento sem largura, cessaria de ocupar espaço e deveria, por isso, ser invisível.
Eu - Devo, desde logo, reconhecer que, em essência, não o compreendo. O que a faz visível é a claridade. No escuro não a vemos. Devo interpretar que V. Sa. considera a "claridade" como uma dimensão, e que chama "altura" ao que chamamos "claro"?
Continuarei esse diálogo no próximo post. Aguardem!
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